Como já é comum, conversamos por email com o nosso convidada da semana, Rogério Coelho. O bate-papo segue no sábado, com mediação de Liber Paz.
O barco dos sonhos foi lançado pela editora como livro de imagem, mas ele tem muitos recursos narrativas de quadrinhos. Enquanto produzia, você pensava nele de que maneira?
Rogério – Pensava como livro de imagem, pois ele foi encomendado para ser isso, mas o uso da narrativa sequencial da maneira como está no livro é inevitável. Minha visão de narrativa é a visão dos quadrinhos, passei minha vida toda lendo e pesquisando essa forma de arte e essa é a minha forma de expressar as ideias. Acho que O barco dos sonhos tem uma mistura dos dois, de quadrinho e de livro de imagem, e tudo está justificado, pelo menos pra mim. Busquei uma lógica para a construção desse livro em termos de ritmo, uso de elementos formais e todas essas informações que vêm do universo dos livros ilustrados e também do das histórias em quadrinhos. Fui pinçando em cada um o que eu queria e o que me ajudaria a contar melhor a história. Fica difícil bater o martelo e definir: é isso! Sendo bem sincero me sinto a vontade com qualquer definição: livro de imagem, história em quadrinhos. Ainda que tudo isso esteja tão próximo um do outro.
Como surgiu a ideia pro livro? Fale um pouco do seu processo criativo.
Rogério – A ideia da história surgiu de uma viagem que fiz com minha família em 2008. Fomos pra São Francisco do Sul/SC. Era inverno e as praias estavam vazias, tudo muito deserto e silencioso. Naqueles dias, o bucolismo e as risadas dos meus filhos me inspiraram a contar uma história que falava de solidão e de infância. Aos poucos, os elementos foram se juntando e quando desenhei o velhote (personagem do livro) pela primeira vez, a ideia encorpou e estabeleci ali um caminho para a história.
Foram 7 anos trabalhando nesse livro de uma forma ou de outra. Inicialmente ele teria 32 páginas e permaneceu assim por um tempo. Ele teve vários estilos de ilustração, chegou até mesmo a ter um volume considerável de páginas finalizadas em outro estilo. Aumentou o número de páginas, a história cresceu. Foi um processo difícil e desgastante em que a desistência me espreitava o tempo todo.
Em 2014 tirei parte do ano para resolver o livro, organizar as coisas e terminá-lo. Deixei tudo que estava fazendo de lado para me concentrar só nele, foram vários meses convivendo com essas ilustrações o dia todo. O trabalho em cada ilustração foi grande, consumindo muitas horas. Um dos maiores desafios é fazer com que a unidade visual exista, mesmo num trabalho extenso.
Trabalhei as ilustrações no computador, com o Photoshop, desde o desenho básico até a finalização completa. Usei muitas texturas manuais usando tinta aquarela e acrílica que depois foram digitalizadas e mescladas ao trabalho. Uso o computador em todos trabalhos, mas nem sempre foi assim, fiz muito livros de forma tradicional, pintando com tinta, lápis, etc. Por isso sempre procuro no meu trabalho digital estabelecer alguma proximidade com resultados que eu esperaria ter se fizesse tudo manualmente.
O barco dos sonhos tem uma história cheia de símbolos e, por isso, muitas leituras, como um sonho mesmo. De que forma você criou essa impressão onírica?
Rogério – A arte tem um papel importante nessa percepção, o uso da luz e da sombra, os climas atmosféricos. A luz difusa e as cores de cada sequência são aspectos que estão presentes em muitos dos meus trabalhos, talvez em O barco eu tenha elevado isso ainda mais, pelo detalhismo obsessivo com que trabalhei em muitas das ilustrações. O simbolismo está presente de diversas formas e acho que em muitos casos essa mensagens não serão tão claras. E nem vou detalhar muito isso,esperando que cada leitor faça sua busca pessoal. Um livro de imagem é para ser lido muitas vezes e de maneiras diferentes.
Quais são as inspirações e referências deste livro?
Rogério – Não saberia dizer qual foi a inspiração para a história – além da que já contei, mas ela veio de uma maneira muito natural. Não lembro se na época tinha mais alguma voz na minha cabeça que me ajudou a perceber que essa história existia. As referências mudaram muito, foram 7 anos de gestação. Já vi ligarem meu livro ao A Chegada do Shaun Tan, coisa que me honra muito, pois adoro a obra dele. Quando criei essa história não conhecia esse livro e nem o ilustrador. Mas como finalizei o livro definitivamente somente no ano passado, posso dizer que essa obra teve influência, sim. Tenho algumas influências permanentes, que eu não abandono: Dave Mckean e Bill Sienkiewicz, dois ilustradores que admiro muito. E também o Alex Ross, uma influência mais tardia, mas que de certa forma, não em termos de desenho, mas no uso de luz e sombra, influencia meu trabalho. Dos ilustradores brasileiros cito o Odilon Moares, Renato Alarcão e Cárcamo.
Se você construísse um barco dos sonhos, pra onde ele te levaria?
Rogério – Pra um dia feliz da minha infância.
